O crescimento do setor de securitização do país e suas vantagens financeiras

O ano de 2019 foi marcado por forte crescimento do mercado financeiro e de capitais, notadamente no mercado de securitização de crédito e fundos de investimentos, os chamados FIDCs. De acordo com os dados produzidos pela instituição TLON (UQBAR), o mercado segmentado de FIDC fechou novembro de 2019 com R$ 66,4 bi emitidos em cotas, um crescimento de quase 47% em relação ao total emitido em 2018. 

Uma das razões para esse crescimento considerável se justifica na concentração das carteiras das instituições financeiras tradicionais (grandes bancos) em função da crise econômica que atravessa o país, que passam apenas a conceder crédito para empresas de grande porte, Project Finance de infra estrutura, investimentos estruturados em empresas de logística, além claro daquelas corporações que apresentam capacidade de alocara ativos valiosos como garantia dos empréstimos tomados.

Não é sem razão que empresas do ramo de securitização e faturização de recebíveis, além claro dos FIDCs (para investimentos mais sofisticados e estruturados), vêm apresentando uma alternativa considerável de empréstimo a custos razoáveis fora dos grandes players (instituições financeiras) que dominam o mercado bancário e de crédito.

Além deste fator conjuntural importante do momento da economia atual, algumas características próprias do ecossistema de securitização (termo considerado de forma ampla, como a acepção norte americana do securities) precisam ser destacados para se melhor compreender esse crescimento considerável. A melhora da regulamentação do mercado, como sinalizado pela CVM² na Audiência Pública SDM nº. 9/2019, anima as projeções para um crescimento ainda maior em 2020. 

O primeiro ponto que merece atenção do mercado de securities é a natureza do contrato de securitização, que nada mais é que a transferência de ativo (contas a receber) da empresa originadora dos títulos para a empresa securitizadora. Desta assertiva se extrai que não se trata de contrato de empréstimo. Desta forma, a empresa originadora transfere o risco de inadimplência do título cedido para a securitizadora (caso não haja nenhuma cláusula de recompra ou de regresso), que ficará responsável para alocar e empreender esforços para o seu recebimento diante da inadimplência dos títulos. Além deste risco da inadimplência, o custo do enforcement também é transferido para a securitizadora, que deverá quantificar na formação de seu preço (deságio pago no título) para assegurar a rentabilidade de sua operação. 

Noutro aspecto, de igual forma importante para contribuição do crescimento deste setor do mercado financeiro, não fica a securitizadora atrelada ao risco da empresa originadora do crédito (que transferirá mediante cessão o título), inclusive em relação a temas caros como abertura de falência ou recuperação judicial. Isso porque, com a cessão do ativo (créditos a receber), o risco é transferido para as empresas devedoras do título que muitas vezes (na praxe do mercado) são grandes empresas que adquirem serviços ou produtos das empresas originadoras. Essas empresas, por sua vez, não possuem via de regra um rating ou investimento grade atrativo, conseguindo por meio do contrato de securitização acesso ao capital com taxas atraentes e razoáveis, não verificadas caso fossem adquirir crédito nas instituições bancárias tradicionais (grandes bancos).

Desta forma, é sem dúvida mais vantajosa a análise de crédito feitas pela empresa se securitização nas grandes empresas devedoras dos títulos (constatado facilmente com a série histórica de fluxos de pagamentos e inadimplência), o que implica na diminuição dos custos do crédito e de transação, tornando as taxas praticadas mais competitivas. O rating da empresa originadora e cedente do título não será analisado (seu histórico, capacidade financeira, situação do patrimônio líquido, endividamento, etc), mas tão somente a capacidade de pagamento da grande empresa devedora destes títulos (cedidos para securitização).  

Outro aspecto positivo da securitização de recebíveis é que a empresa originadora dos títulos não tem alterada a sua estrutura de capital, sendo considerado off balance, em função da sua natureza, já comentada, de transferência de ativos e não de financiamento (contratos de empréstimos estruturados).  Com efeito, não há qualquer alteração do passivo (o que ocorreria com a contratação de empréstimo), não afetando ou comprometendo futuras aquisições de capital para projetos de médio e longo prazo ou para administração do fluxo de caixa e capital de giro. 

A natureza de transferência de ativo no contrato de securitização modifica também a sua característica contábil com alteração do tipo de ativo, uma vez que a expectativa de receber o crédito originado da prestação de serviço ou da venda do produto (ainda inadimplido, posto se tratar de venda à prazo) se torna, após a cessão para a securitizadora, dinheiro em caixa. Desse modo, a empresa originadora terá caixa disponível e não mera expectativa de recebíveis, o que permite alocar em novos projetos ou investimento para aumentar o giro operacional e gerar mais recebíveis, sem a necessidade de contrair empréstimos ou alocar ativos como garantia.

Posto o cenário, é natural o crescimento deste mercado de securitização explanado nas linhas passadas, catalisadas inclusive pela crise econômica e a postura das grandes instituições financeiras em reduzir a oferta de crédito, alocando seu capital apenas nas empresas que apresentam menores riscos ou com possibilidade de destinar ativos em garantias, deixando as pequenas e médias empresa, além daquelas que atravessam momentos de insolvência empresarial, sem qualquer acesso a crédito. 

Portanto, os pontos acima explanados foram, e ainda são, decisivos para o sucesso e aumento do mercado de securitização de recebíveis, funcionando a diminuição dos riscos e dos custos de transação como molas propulsoras, ao lado da melhoria regulamentar proposta pela CVM. Noutro giro, melhorar a eficiência da execução judicial forçada dos devedores, aprimorar os controles conformativos na análise de todas as etapas do processo, inclusive realizando due diligence nos documentos que conferem lastro a operação e a realização constante de auditoria jurídica para verificação de conformidade com a legislação aplicável podem ser considerados elementos indispensáveis para mitigação dos riscos, além de diminuir os custos de transação e aumentar a eficiência operacional para trazer maior rentabilidade operacional para o setor. 

Pelas razões expostas, descrever padrões e standars jurídicos como política da empresa de conformidade (compliance) como pressuposto indispensável para securitização dos títulos é tarefa necessária do gestor destas empresas. Nos FIDCS, diante da sua maior sofisticação e estruturação, tal política geralmente vem descrita no regulamento do fundo, que deve necessariamente ser respeitado pelo seu administrador ou gestor na escolha das compras e alocações dos ativos do fundo, impondo regras de suitability pela CVM, conferindo maior segurança do investidor e aumento como um todo do mercado de securitização.