Imposto de Renda na Economia Criativa
A economia criativa vem influenciando diversos setores da economia por trazer novas formas de modelo de negócios, com a criação de atividades e mercados antes não existentes, o que vem impactando os setores tradicionais, como ocorre no segmento hoteleiro e de serviços.
Para melhor compreensão do tema, imperioso, inicialmente, conceituar o que seria a econômica criativa e a sua importância para o desenvolvimento da sociedade.
Este termo “economia criativa” surgiu em 2001 no livro de John Howkins, quando explanou a relação existente entre criatividade e economia. Assim, para Howkins, “a criatividade não é uma coisa nova e nem a economia o é, mas o que é nova é a natureza e a extensão da relação entre elas e a forma como combinam para criar extraordinário valor e riqueza”. Esse autor emprega o termo “economia criativa” de forma ampla, abrangendo 15 indústrias criativas que vão desde as artes até os maiores campos da ciência e da tecnologia.
Assim, os conceitos – economia criativa e indústria criativa – são uma novidade no mundo do empreendedorismo.
De acordo com o estudo realizado pela Unesco sobre o tema, no Relatório de Economia Criativa 2013, desenvolvido junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a economia criativa é um nicho transformador no mundo atual pelos benefícios que pode gerar, não somente em questão de geração de renda, mas também em função da potencial criação de empregos e ganhos na exportação.
O setor vem crescendo no Brasil de forma surpreendente, embora ainda não haja uma política pública madura para fomentar seu crescimento. Hoje, a economia criativa é responsável por 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), totalizando R$ 126,1 bilhões de produção. Segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), o crescimento, nos últimos 10 anos foi de aproximadamente 70%.
De acordo com o relatório do IPEA, a economia criativa formal representa no Brasil entre 1,2% e 2% do PIB e, aproximadamente 2% da mão de obra e 2,5% da massa salarial formal, possuindo, ainda, no ano de 2010, 575 mil trabalhadores formais (ARAÚJO, OLIVEIRA, SILVA; 2013, p. 05).
Vale ressaltar que essas informações são aproximadas, tendo em vista que a economia criativa possui uma considerável parcela de agentes econômicos no mercado informal.
No mundo, o último dado disponível é de 2011, quando demonstrou que o comércio mundial de bens e serviços criativos movimentou um recorde de US$ 624 bilhões, mais que o dobro em relação a 2002.
O crescimento médio anual no período 2002-2011 foi de 8,8%, enquanto as exportações totais dos bens pelos países em desenvolvimento subiram 12,1% anualmente no mesmo período.
Na União Europeia, ela cresce mais rápido do que o resto da economia e gera 6 milhões de empregos. É prioridade na Agenda “UE 2020”. Só na Inglaterra, representa 6,2% do PIB, 2 milhões de empregos e 4,5% do total das exportações. Fundaram-se cerca de 157 mil negócios criativos em 2010.
Nos Estados Unidos, equivale a 6,4% do PIB e US$ 125 bilhões de exportações. Na Austrália, emprega 5% da força de trabalho e gera 7% do PIB. Os ganhos de exportação de bens criativos dos países ricos alcançam US$ 227 bilhões (2010). FONTE: DADOS DA ONU/UNCTAD.
Diante de todos esses dados, pode-se vislumbrar a importância do setor para a econômica do país.
Empresas como Airbnb e Sampa Housing (ou outras com modelo de negócios semelhantes) se inserem nesse contexto da economia criativa. Foram oriundas da inovação disruptiva com a criação de uma atividade empresarial e um mercado consumidor antes não existente, o que vem trazendo impactos no setor hoteleiro e de serviços.
Atividades das empresas da econômica criativa no setor hoteleiro
Em função do seu ineditismo, o ordenamento jurídico não estava apto a disciplinar essas atividades, o que vem gerando alguns transtornos que podem inclusive impactar na livre concorrência, valor constitucional que deve ser atendido. Até o momento não há qualquer regramento específico para essas novas atividades.
Os serviços que estas empresas como Airbnb e Sampa Housing prestam são conhecidos por todos, o que dispensa maiores comentários.
A questão nodal seria em saber se estes serviços são meios de hospedagem ou intermediação para aluguel de temporada. Essa premissa é importante pois atrai para o primeiro a incidência da Lei Geral do Turismo (com capitulação de impostos, obrigações regulatórias e diversas taxas) aplicável ao setor hoteleiro e, para o segundo, a incidência da lei do inquilinato, em função da realização de contrato de locação de temporada.
Diante deste contexto apresentado, alguns entendem que as empresas como Airbnb e Sampa Housing prestam serviços típicos de hospedagem; outros entendem que se trata de intermediação para locação de temporada dos imóveis.
A discussão não é meramente acadêmica.
Para aqueles que entendem que se trata de locação de temporada, as empresas estariam dispensadas de diversas taxas e obrigações regulatórias existentes no setor hoteleiro, bem como teriam tratamento tributário diferenciado, mais benéfico, posto que não pagariam dentre outros tributos o ISS, apenas o IR para aqueles que disponibilizam seus bens para locação.
Para outros, as atividades destas empresas podem facilmente serem enquadradas no art. 23 da Lei Geral do Turismo, o que atrai a incidência de diversas taxas e impostos, como o ISS, além de toda a regulação do setor.
O art. 23 da Lei 11.771/08 assim dispõe sobre o serviço de hospedagem:
Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.
- 1o Os empreendimentos ou estabelecimentos de hospedagem que explorem ou administrem, em condomínios residenciais, a prestação de serviços de hospedagem em unidades mobiliadas e equipadas, bem como outros serviços oferecidos a hóspedes, estão sujeitos ao cadastro de que trata esta Lei e ao seu regulamento.
- 2o Considera-se prestação de serviços de hospedagem em tempo compartilhado a administração de intercâmbio, entendida como organização e permuta de períodos de ocupação entre cessionários de unidades habitacionais de distintos meios de hospedagem.
- 3o Não descaracteriza a prestação de serviços de hospedagem a divisão do empreendimento em unidades hoteleiras, assim entendida a atribuição de natureza jurídica autônoma às unidades habitacionais que o compõem, sob titularidade de diversas pessoas, desde que sua destinação funcional seja apenas e exclusivamente a de meio de hospedagem.
- 4o Entende-se por diária o preço de hospedagem correspondente à utilização da unidade habitacional e dos serviços incluídos, no período de 24 (vinte e quatro) horas, compreendido nos horários fixados para entrada e saída de hóspedes.
Posta a controvérsia, fácil se conclui que a visão que reconhece a atividade como uma locação de temporada, adotada por estas empresas (como Airbnb), leva uma expressiva vantagem tanto tributária como de obrigações regulatórias (como taxas e demais obrigações para autorização do serviço de hospedagem).
Outro ponto que merece atenção seria na incidência da Lei 6.530/78, que regulamenta a atividade de corretores, levando em conta que o Aibnb presta serviço de intermediação de alugueis de temporada, o que não vem ocorrendo na prática (não há qualquer tipo de autorização pelo órgão de controle para esta empresa).
Pode-se até afirmar que tal diferença fomenta a concorrência desleal, levando em conta que disputam o mesmo mercado e realizam a mesma atividade fim, que, ao fim e ao cabo, seria fornecer serviços de hospedagem de estadia para turistas e viajantes.
Essa discussão ocorre no mundo todo. Na Europa, p. ex., a Espanha já multou o Airbnb em 30 mil euros pelo fato de comercializar apartamentos de forma ilegal para turistas sem autorização do governo para tanto.
Aspecto tributário diferenciado
No que toca ao aspecto tributário, a grande discussão gira em torno da falta de regramento fiscal destas empresas como Airbnb, o que tem gerado um tratamento tributário privilegiado, violando a livre concorrência, como já alertado.
No que toca as tributações incidentes, vale dizer que os rendimentos de um contrato de locação são tributáveis pelo imposto de renda (IR), cujas alíquotas podem chegar ao limite de 27,5% para contribuintes pessoas físicas, e alíquotas variáveis para pessoas jurídicas, a depender do seu regime tributário e objeto social.
Para o caso dos serviços de hospedagem, além da tributação decorrente do imposto de renda (como também de outros tantos tributos aplicáveis ao faturamento e sobre o resultado operacional fiscal), também incidirá o ISS sobre os rendimentos, com alíquota a depender do município em questão.
Verifica-se, de plano, a diferença do tratamento tributário conferido as empresas do setor hoteleiro e empresas como Airbnb, o que fere a isonomia tributária disposta na Constituição Federal, o que implica em uma concorrência desleal.
Para o caso específico do Airbnb, não há pagamento de qualquer tributo, uma vez que seu domicilio fiscal é nos Estados Unidos, além de não ter qualquer giro financeiro dentro do Brasil. O ISS – que seria cobrado em cima dos valores cobrados para a intermediação dos contratos de locação – também não é pago, já que todo o fluxo financeiro ocorre fora do país, nos Estados Unidos.
O Ministério do Turismo já assinalou em nota que essas empresas como Airbnb não se enquadra na Lei Geral do Turismo (lei 11.771/08), embora no aspecto tributário mereça alguns reparos e adequações.
Problemática na declaração do Imposto de Renda para quem usa a plataforma Airbnb para locação de temporada
Outra problemática envolvendo o Imposto de Renda se encontra na dificuldade das pessoas (físicas ou jurídicas) que locam seus imóveis pela plataforma do Airbnb declararem seus recebimentos junto à Receita Federal.
Assim, se considerarmos que o serviço prestado pelo Airbnb seria uma intermediação para locação de temporada, a declaração junto a Receita Federal dos valores recebidos pelos locadores deverá necessariamente apontar todos os dados dos locatários, inclusive o CPF de cada um, o que não é fornecido por esta empresa. É contra a sua política interna o fornecimento de tais dados. Torna-se impossível, portanto, declarar os recebimentos por este prisma.
Por outro lado, caso entendermos o Airbnb presta serviço típico de hospedagem, a indicação pelo contribuinte da fonte pagadora seria facilitada, pois bastaria apontar essa empresa (com apresentação de seus dados) como responsável pelo pagamento desta receita. Entretanto, essa forma de declaração conteria um erro, pois o Airbnb não realiza o pagamento relativo as estadias, mas sim repasse de terceiros, já que quem custeia o serviço é o hospede (ou o locatário).
Diante da problemática apresentada, torna-se impossível declarar os recebimentos dos alugueis de temporada pela plataforma Airbnb para fins de Imposto de Renda, vez que de uma forma ou de outra conteria um erro técnico e, portanto, seria ilegal, passível de uma autuação fiscal pelos órgãos de controle.
Isto posto, é por esta razão que os serviços prestados por estas empresas como Airbnb precisam ser disciplinados de forma urgente pelo Poder Legislativo, a fim de trazer segurança jurídica para todos os stakeholders, tanto aqueles que se beneficiam dos serviços, como para outros agentes do setor hoteleiro, além claro das próprias empresas da econômica criativa.
Este regramento deverá ter o mister de equilibrar a concorrência pela disputa do mercado de todos os players envolvidos, tornando equânime tanto a tributação como todos as obrigações da atividade regulada, hoje incidente apenas para empresas alcançadas pela Lei Geral do Turismo.
Diante de todo o exposto, em apertada síntese foi explanado sobre a problemática que a falta de legislação específica acarreta ao setor da economia criativa, notadamente nos segmentos de serviços e hotelaria, o que gera insegurança jurídica para todos os envolvidos na cadeia produtiva, além da sociedade em última análise.
Como visto, de uma forma ou de outra, ou melhor, se intermediação de locação por temporada ou serviços de hospedagem, não estando cumpridas as exigências do setor contidas tanto na Lei Geral do Turismo (Lei 11.771/08), como na Lei 6.530/78, que regula a atividade corretagem de imóvel (com regulação inclusive pelo Código Civil.
- Propomos a realização de um marco civil regulatório para economia criativa, com amplo debate entre a sociedade, principais players de todos os segmentos, tais como UBER, AIBNB, BOOKING, etc. e com o Poder Público, com apresentação de uma legislação que facilite o fluxo econômico deste segmento, com viés incentivador mas sem qualquer redução de exigências relativas a segurança da sociedade.
- Esta legislação deverá regular de forma satisfatória todas essas atividades a fim de trazer benefícios para a sociedade, com a geração de empregos, tributos, melhorias nos serviços, controle de qualidade, das informações existentes, dentre outras tantas melhorias.